Viagem de Kombi

O que aprendi vivendo 100 dias dentro de uma kombi

Por em 17 de janeiro de 2017

Ao todo foram 100 dias de viagem de kombi e aproximadamente 18 mil km rodados, saindo do Brasil, mais especificamente de Campinas – SP, passando por toda a Argentina de norte a sul e chegando na cidade mais austral que existe, Ushuaia.  Voltando pelo Chile, de sul a norte, atravessando o Deserto de Atacama e voltando novamente para o Brasil, com direito a uma passadinha no Paraguai. Toda essa aventura ou loucura, chamem como preferir, foi feita por mim e meu namorado, a bordo de uma kombi ano 90 que apelidamos carinhosamente de Baunilha.

casal de viajantes em frente a kombi usada na viagem, cenário de montanhas na costa do Chile

kombi estacionado na beira da estrada com arco-íris no céu nublado

A decisão de fazer uma viagem de carro, mais especificamente uma kombi, surgiu depois que assistimos o documentário “Transpatagônia” do jornalista Guilherme Cavallari, que fazia o percurso da transpatagônia de bicicleta e sozinho. Como não somos tão radicais assim resolvemos adaptar um pouco nosso tipo de viagem. Mas o destino já estava certo iríamos até o fim do mundo na cidade de Ushuaia.

casal na placa da cidade Ushuaia fin del mundo

Viajar de carro não é um tipo de viagem barata, ainda mais por uma longa distância, precisávamos reduzir os custos ao máximo e então resolvemos comprar uma kombi e morar dentro dela, assim diminuiria os custos com hospedagem, que é uma das coisas mais caras de uma viagem.

Depois de um mês da decisão já estava tudo pronto, corremos contra o relógio, pois não queríamos pegar o inverno na patagônia e também não queríamos adiar a viagem para o ano seguinte. Fizemos o roteiro somente de ida, o de volta iríamos fazer no decorrer da viagem. Foi preciso fazer algumas adaptações na kombi, colocando um sofá cama, uma pia e algumas caixas de mdf que serviram como armários para utensílios de cozinha e roupas.

interior da kombi com estofado laranja

Roteiro

O roteiro seguiu o sul do Brasil, passando por Curitiba, Joinville, Blumenau, Balneário Camboriú, Florianópolis, Gramado, Porto Alegre, Santa Maria e São Borja. O trajeto para sair do Brasil foi de aproximadamente 1.987 KM, decidimos sair por São Borja pois iríamos fazer o seguro carta verde, para poder andar na Argentina precisamos desse seguro.

Acabou que depois que atravessamos a fronteira, a kombi começou a balançar muito na pista (as pistas argentinas tem  muitas deformações devidos ao grande fluxo de caminhões), então resolvemos atravessar de volta para o Brasil para levar ao mecânico. Voltamos por Uruguaiana, por ser uma cidade maior seria mais fácil achar um mecânico bom.

Uma dica para quem pretende fazer essa viagem é não ir por São Borja, pagamos um pedágio para sair do Brasil de R$50,00. Vale muito mais a pena sair por Uruguaiana, onde não pagamos nenhum pedágio.

Depois da Baunilha arrumada voltamos para Argentina para seguir a jornada até o fim do mundo. O primeiro destino para “turismo” foi Buenos Aires, mas antes paramos em algumas cidadezinhas para dormir.

Rotina

Quando se viaja em uma kombi, é preciso entender que não se pode andar muitos quilômetros no dia, a kombi é cansativa de dirigir e um pouco lenta, então precisa ser uma viagem sem pressa.

As paradas sempre eram feitas em postos de gasolina e nisto conhecemos muitos caminhoneiros e muitas famílias que estavam viajando no mesmo estilo que nós. Até Buenos Aires gastamos mais 700 KM aproximadamente, paramos por uns dias na cidade e curtimos a grande metrópole que é Buenos Aires.

Fizemos quase toda a Argentina pela Ruta 14, mas não recomendamos  para nenhum Brasileiro, a polícia argentina da Ruta 14 é extremamente corrupta e nos subornaram duas vezes nesse trajeto. A corrupção da polícia argentina é algo cultural, todos sabem que acontece, é super normal e você não tem para quem reclamar, então é melhor evitar o trajeto para não passar raiva.

Talvez seja melhor sair do Brasil pelo Uruguai e depois atravessar para Argentina, assim é possível evitar a Ruta 14.
Seguimos pela Ruta 3 sempre sozinhos nas imensas retas argentinas, as estradas são bem vazias e não se vê nada em volta, as distâncias das cidades são bem longas e a paisagem é um longo e extenso descampado.

Para se ter uma noção do quanto é vazio, até paramos para tirar fotos no meio da estrada.

garota sentada no chão no meia da estrada

estrada da Argentina com céu nublado

O vento no outono não é tão forte, mas dá para sentir o carro sendo empurrado para os lados.

Amizade

Foi na Ruta 3 que conhecemos argentinos extraordinários, pessoas que levaremos para nossa vida toda e que temos contato até hoje.
Na cidade praiana de Puerto Madryn conhecemos um casal argentino que eram apaixonados por kombis e foi com eles que tivemos os dias mais agradáveis dessa viagem. Paramos para conversar, comemos pizza, tomamos cerveja, arrumamos uma cama quentinha para dormir e ainda ficamos para o café da manhã e almoço.

A vontade era ficar ali por mais uma semana, mas tínhamos que seguir viagem e foi bem difícil deixar os amigos tão recentes, mas ao mesmo tempo tão próximos e intensos, até lágrimas rolaram.

A ideia de que os Argentinos não gostam de Brasileiros e vice e versa é totalmente equivocada, os argentinos adoram brasileiros e adoram o Brasil, fomos muito bem recebidos e fizemos muitas amizades sinceras.

Ainda na Ruta 3, na cidade de San Julian, tivemos um problema bem grave na Baunilha e tivemos que abrir o motor para arrumar. Nossa sorte ou destino foi tão boa que arrumamos uma oficina com um bando de argentinos gente boa.

O resumo foi, 10 dias parados dormindo dentro da oficina, muita conversa jogada fora, muita cerveja, muita risada e um punhado de amigos que com certeza voltaremos para visitar. O prejuízo na kombi foi grande, mas foi superado pelas pessoas maravilhosas que conhecemos nesse lugar.

Sem dúvida alguma a melhor parte de viajar é conhecer pessoas, fazer amizades e criar novos amigos. A trajeto até Ushuaia foi incrível, com direito a muitos animais pelo caminho, algo que eu queria muito presenciar pois amo animais. Pude chegar bem pertinho dos lobos marinhos e foi uma emoção muito grande pra mim.

lobos marinhos na beira da praia

raposa deitada na grama

flamingos na lagoa de cor esverdeada

guanaco na montanha

Aprendizados

Agora voltando ao assunto principal do texto, o que eu aprendi vivendo 100 dias dentro de uma kombi, posso dizer que foram muitos os aprendizados e vou listar alguns deles aqui pra vocês. Primeiramente aprendi a praticar muito mais o desapego, morar dentro de uma kombi não te trás luxo algum, muito menos conforto.

Aprendi a dar valor nas coisas pequenas da vida e nas coisas não materiais, observar a natureza é algo incrível e nesses momentos tudo o que eu precisei foi de um bom agasalho e uma caneca de chá quentinho, só pra ficar horas contemplando o que a vida me proporcionou.

laguna esmeralda em Ushuaia

glaciar perito moreno, grande geleira de cor azulada

mar da costa do chile de água verde limpida

O luxo eu já deixei de lado em outras viagens que fiz, mas essa foi bem mais intensa, passar uma semana sem conseguir achar um lugar para tomar banho é realmente difícil, mas a cada curva da estrada a paisagem tirava essa preocupação da minha mente.

Adaptação

Houve partes do Chile, mais precisamente na carretera austral, que não havia banheiros, nem se eu quisesse pagar para usar, aprendi a fazer xixi nos lugares mais inusitados e quase congelei fazendo xixi no meio da neve, mas no final foi tudo muito engraçado. Aprendi também que os policiais do sul do Chile não são muito amigáveis e prestativos, pedi para usar o banheiro da delegacia e levei um não curto e grosso.

kombi estacionada no gelo

Lição de vida

Os 100 dias e 18 mil KM me trouxeram uma paz interior que nunca tinha tido antes, aprendi a dar valor no que realmente é necessário, aprendi a ser sempre gentil com as pessoas, mesmo que elas não sejam com você.

Uma das maiores lições que levo disso tudo é que a vida pode ser bem mais simples do que se imagina e que o mundo não é tão ruim e perigoso como aparece nos programas policiais, eu aprendi a confiar nas pessoas, abrir meu coração e aceitar tudo o que o próximo tem para me oferecer.

Quando saí do Brasil minha família e alguns amigos ficaram muito preocupados, achando que eu seria roubada ou até mesmo que algo pior me acontecesse. Quando voltei contando que dormi 10 dias dentro de uma oficina e que fiquei esses mesmos 10 dias rodeada de pelo menos 5 homens, todo mundo achou que eu corri muito perigo e me criticaram por ter ficado ali.

Acontece que esses 5 homens viraram meus amigos de verdade, cuidavam para eu não sentir frio, sempre me ofereciam o primeiro pedaço de carne, compravam vinho pra mim e até me levaram para almoçar com suas famílias.

Reflexão

Agora eu me pergunto, se eu tivesse falado não, recusado o convite de dormir na oficina, nada disso teria acontecido, eu não teria conhecido pessoas tão incríveis e divertidas quanto eles e perderia uma das melhores partes da viagem. Esse momento ficou marcado em minha memória e até hoje eu converso com essa galera que viraram meus amigos.

Ter cuidado é diferente de se privar de tudo por medo, eu nunca deixei de ter cuidado nessa viagem e também nunca me privei de experiências por medo. Se não confiarmos nas pessoas nunca saberemos o que elas tem a nos oferecer.

* Texto escrito para o site dubbi.com

TAGS
POSTS RELACIONADOS

LEAVE A COMMENT

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Dai & Jefferson
Búzios

Nós viajamos o mundo enquanto trabalhamos. Tentamos fugir um pouco dessa utopia de nômade digital e vida perfeita. Compartilhamos aqui nossa vida nômade descomplicada, a realidade de dois viajantes que são viciados em café, cerveja e música eletrônica.

FACEBOOK
Instagram
Instagram has returned invalid data.

Siga

NEWSLETTER
POSTS POR EMAIL

Receba nossos posts por email semanalmente, fique tranquilo não lhe enviaremos spam.